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quarta-feira, 23 de abril de 2008

Mãe-de-santo acende vela para São Jorge em terreiro demolido

Templo está sendo reconstruído em Salvador, mas obra deve demorar para ser concluída.
Mãe Rosa disse que todos os terreiros da capital baiana estão comemorando a data.

Glauco Araújo Do G1, em São Paulo

 

Foto: ADI/Edgar de Souza

Mãe Rosa só conseguiu acender uma vela para São Jorge no terreiro demolido em Salvador (Foto: Edgar de Souza/G1)

A mãe-de-santo Rosalice Santos do Amor Divino, de 50 anos, passou o dia de São Jorge sem poder fazer um culto em homenagem ao santo, que no candomblé é conhecido como oxóssi. Ela coordena o terreiro Oyá Onipó Neto, em Salvador, e que foi parcialmente demolido em 27 de fevereiro deste ano.

Veja fotos do terreiro demolido em Salvador

"Não tenho recursos e nem forças para fazer uma 'batida' para o santo. Todos os terreiros de Salvador estão celebrando a data, mas eu só pude acender uma vela para oxóssi e nada mais", disse Mãe Rosa, como é conhecida na Bahia.

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Parte do prédio do terreiro foi derrubado, provocou polêmica e uma série de manifestações contra a intolerância religiosa em Salvador. A responsável por autorizar a demolição foi Kátia Carmelo, já exonerada do cargo de chefia da Superintendência de Controle do Uso do Solo do Município (Sucom).
O templo está sendo construído, mas ainda falta muito para ser o que era antes da demolição. "Vai mais um mês de obra. Só tem um pedreiro e três ajudantes. Isso vai longe ainda. Pelo menos já levantaram as paredes, mas ainda falta a cobertura e conseguir novas imagens de santos", disse Mãe Rosa. 

A demolição

Foto: ADI/Edgar de Souza

Demolição de terreiro provoca polêmica em Salvador (Foto: ADI/Edgar de Souza)

De acordo com a prefeitura, a demolição foi ordenada por um suposto problema na escritura. Em nota, Kátia Carmelo disse que percebeu ter havido excesso na ação dos prepostos da Sucom, pediu desculpas e que "não é dada a preconceitos, muito menos religiosos."
Alguns dias após a derrubada do prédio, o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro, pediu desculpas pelo ocorrido, em público, e anunciou que o templo seria reconstruído. Segundo a mãe-de-santo Rosalice Santos do Amor Divino, de 50 anos, uma construtora, cujo nome é mantido em sigilo, assumiu a obra.

Castigo do céu

Marcos Rezende, de 33 anos, conselheiro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos disse o efeito da destruição do terreiro veio dos céus logo no dia 28 de fevereiro. “Neste dia, uma chuva, como há muito tempo não se via em Salvador, provocou estragos na cidade. Foi a resposta dos orixás. Como religiosos, achamos que isso foi um clamor de Iansã e Xangô por Justiça”, disse.
Segundo ele, todos os quartos dos orixás foram derrubados na ação da Sucom. “A única imagem que caiu do barracão foi o orixá da Justiça (Xangô). Iansã é o orixá das ventanias e tempestades. Xangô também é o orixá dos raios e dos trovões. Por isso, achamos que o temporal que caiu em Salvador um dia após a derrubada do terreiro foi uma resposta contra a intolerância religiosa”, afirmou.

Rezende disse, ainda, que vários prédios da capital baiana têm problemas com a escritura e que isso não justificaria a ordem de demolição.
Para Almiro Sena, promotor de Controle à Discriminação e Intolerância Religiosa de Salvador, a derrubada do terreiro foi um ato arbitrário e inconstitucional. “O prefeito já sinalizou a reconstrução do terreiro, mas Kátia Carmelo, responsável pela demolição do prédio, ainda pode responder por crime de intolerância religiosa. O dano religioso é irreversível”, disse o representante do Ministério Público.
A Sucom informou que a responsável pela ordem de demolição foi exonerada dois dias depois do ocorrido.