Prezados,
Como anunciado, estive ontem na reunião da ministra Marta Suplicy com o chamado Movimento Social da Cultura e gostaria de compartilhar com vocês algumas impressões, focando mais nos nossos temas das culturas populares e tradicionais:
1. A Ministra demonstra uma vontade nítida de se apropriar o mais rapidamente possível da estrutura e dos conceitos do setor, que compreende pouco, por não ser da área, mas que compreenderá com plenitude, em breve, devido à sua grande sabedoria e capacidade de trabalho, além de sua articulação política. Esta vontade de saber amenizou até mesmo traços conhecidos de sua personalidade, como a arrogância. Ela está lá, no entanto, escondida, e pode se manifestar no futuro, quando as coisas não forem tão novidade, quando ela começar a tomar decisões e quando faltar dinheiro para toda aquela massa de propostas da moçada criativa e digital que dominou e conduziu a reunião;
2. A Ministra saca muito rapidamente as conexões da área com os demais setores da gestão pública. Isso ficou muito bem expresso quando ela fazia comentários sobre a violência, os direitos humanos, as rádios, a saúde, a questão da mulher, etc. Podemos ter, pela primeira vez, alguém que consiga, de fato, culturalizar as demais políticas públicas. O Ministério, ou melhor, a questão da cultura, é sistematicamente alijada dos processos de decisão dos programas de governo. No Brasil sem Miséria, por exemplo, a palavra cultura não aparece nenhuma vez. Isso pode ser uma revolução em termos de penetração das pautas da cultura em outros setores transversais, modificando em muito o status da questão no governo e, consequentemente, abrindo espaços e trazendo recursos novos para complementar nossos parcos orçamentos;
3. As falas de Mestra Dôci, de Chico Simões, de GOG e do rapper Linha Dura, foram, com certeza, as que mais excitaram a Ministra. Até essas falas citadas, ela só ouviu. Depois, se animou e começou a intervir a todo momento. A qualidade dessas intervenções em comparação com a da moça ex-Petrobras, do pessoal da mídia livre, dentre outros, pensando no poder que a oralidade possui, é muito grande. No entanto, senti o mesmo de sempre: “Isso é tão importante, é tão emocionante, é tão vital, tão profundo, é ancestral, é isso e aquilo...”, mas o pulo do gato nós nuca damos, que é fazer disso, de fato, prioridade. Quero ver a Marta descer do salto e ir lá no Xingu receber a Carta que a Ana deixou. Quero ver se ela vai trocar uma audiência com a Fernanda Montenegro por uma reunião com os ciganos. Quero ver quanto dinheiro vai para a Bienal e quanto vai pro Prêmio de Culturas Populares. Quero ver ela peitando o jurídico e mandando os caras acharem uma solução pros problemas de prestação de contas dos pontos de cultura indígena ao invés de criminalizá-los. Quero ver se ela vai tentar cumprir mesmo o Plano Nacional e implantar o Sistema ou vai pensar que o mais importante é a presença da Cultura na Copa do Mundo. Quero ver se ela vai botar o prestígio dela no Congresso a serviço da Lei dos Mestres e da Lei Cultura Viva tanto quanto da Lei de Direitos Autorais ou das leis de comunicação e TV à Cabo. Quero ver coisas assim. Aí eu vou começar a saber se somos, pra ela, tão maravilhosos assim;
4. Vi que a Secretária Márcia Rollemberg causou muito boa impressão na Ministra e esteve, com quase toda sua equipe, presente ao encontro. A equipe da Economia Criativa estava em grande número, também, embora a Secretária Cláudia não estivesse. As duas foram as únicas citadas nas falas da Ministra. Um ou outro da Secretaria de Políticas Culturais foi. Por outro lado, nenhum secretário do PT foi ao encontro. Será que o pessoal do meu partido estava ocupado demais para ir até lá ou, sintomaticamente, estavam fugindo do enfrentamento da responsabilidade de encarar o pessoal da oposição, após terem bancado por tanto tempo a nossa companheira Ana de Hollanda?;
5. A Ministra sabe que sua gestão é curta, então, está buscando algumas ações que podem ser priorizadas e que possam imprimir a sua marca em pouco tempo. Apesar da massacrante reincidência com que a ideia dos pontos de cultura aparecia nos discursos e, até mesmo, nas respostas da Ministra, uma pulga ficou atrás da minha orelha quando ela “repreendeu” o Santini, após ter sido lembrada por ele da meta de 15 mil pontos de cultura prevista no PNC, de que isso é um “delírio” (essas aspas foram para marcar a palavra que ela usou);
6. A ideia da diversidade cultural, que apareceu com força no discurso de posse, ontem, sumiu novamente por completo. E ninguém mais, nenhuma voz, defende as conquistas construídas na gestão da SID e o seu legado. Lamento ter imaginado um dia que a fusão da SID com a SCC criaria uma sinergia entre as duas pastas, sendo que esta segunda, por ser maior e mais rica, pudesse apoiar e abrigar as excelentes experiências construídas na diversidade. Acabou tudo! Parece que nada daquilo existiu. Ninguém dos Movimentos Sociais da Cultura (daquela época), que integramos à duras penas (LGBT, Crianças, Loucos, Pessoas com Deficiência, Culturas Populares, etc., etc., etc) estava lá representado no Movimento Social Hacker da Cultura. Só alguns poucos, que foram atendidos pelo Programa Cultura Viva, ainda têm voz. Do mesmo modo não falam mais ao governo os atendidos pela política do Patrimônio Imaterial, os quilombolas da Palmares, os artesão do Promoart, os mestres das culturas populares e povos e comunidades tradicionais da SID. Só tem voz os destes grupos que foram ungidos pelo Cultura Viva de alguma forma (pontões de bens registrados, a Rede Mocambos, os Griôs e o pessoal de religião afro que é da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura). Esses são devidamente reconhecidos e integrados ao movimento político mais vigoroso representado ontem naquela reunião. Todos os outros, ou não atingiram a maturidade política suficiente ou caíram no esquecimento dos seus problemas cotidianos. Não receberam e não recebem, destes que estão articulados, hoje, a solidariedade na construção da luta por um MinC melhor. A volta aos anos do governo Lula, da gestão Gil/Juca, tão defendida por eles, no quesito diversidade, só pode se dar pela via do Cultura Viva. Tudo o mais é morto. Ainda bem que os fundamentos do Programa Cultura Viva têm todos os elementos que precisamos para reconstruir as coisas de novo. É por essa via que devemos caminhar, então. Essa é a brecha.
Enfim, quis compartilhar algumas impressões, apesar de saber que posso estar errado em todas. Confesso que estava muito mexido e emocionado com toda aquela movimentação, novamente (a gente se desacostuma do bem que a democracia faz quando vive períodos de exceção). Me desculpem os equívocos e alguma má palavra. Fiz isso para que outros que também estiveram lá ou que assistiram pela internet possam se animar e fazer algum relato. Assim a gente vai conversa nessa roda virtual.
Abraço,
Marcelo Manzatti
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