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sábado, 12 de janeiro de 2019

Projeto “Perguntando a Onilê” capacita pessoal para atuar no tombamento de terreiros


CULTURA | 12/01/2019 | Lívia Batista

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equipe em campo na cidade de Cachoeira - BA (imagem retirada do Facebook do projeto) 1

Grupo visita o terreiro Ici Mimó, em Cachoeira (foto: Divulgação/Facebook do grupo)

Figura feminina para uns e masculina para outros, Onilê, nas religiões de matriz africana, é a orixá a quem foi dada a terra, a origem de tudo, por Olodumaré. Um grupo da UFBA, em parceria com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), buscou nela a inspiração para criar o projeto “Perguntando a Onilê”, que tem como objetivo facilitar o tombamento de terreiros na Bahia.

O foco do projeto é a formação de pessoal qualificado para produzir a documentação necessária para um processo de tombamento junto ao órgão federal. O tombamento é um dos dispositivos legais de que o poder público dispõe para preservar a memória nacional, e é algo fundamental para garantir a preservação tanto do território, quanto dos valores cultural e religioso dos terreiros de candomblé.
No grupo, existem responsáveis por levantamento arquitetônico, mapeamento etno-botânico e por documentar a história da casa, elementos importantes para a criação do memorial necessário para o tombamento.

Criado em agosto de 2018, o grupo coordenado pelo servidor técnico-admnistrativo da UFBA Roberto de Jesus e pela estudante do BI em Humanidades Roberta Nascimento, se reúne periodicamente para discutir a relação entre as demandas próprias das comunidades religiosas dos terreiros e os parâmetros técnicos exigidos em um processo de tombamento.

No estado, existem 22 ilês em processo de tombamento, mas esses processos, muitas vezes, são liderados por pessoas sem ligação com a comunidade beneficiada – o que pode resultar em interpretações distantes da realidade ou do interesse das comunidades. O Perguntando a Onilê conta com uma equipe interdisciplinar, composta por membros da comunidade universitária que são, em sua maioria, ligadas ao candomblé, sob a coordenação de Roberto de Jesus, que também é pai-de-santo.

Atualmente, o Perguntando a Onilê atua nos processos relacionados a dois terreiros: o Ici Mimó, em Cachoeira, e o Bogum, em Salvador, Em setembro do ano passado, foram realizadas quatro oficinas em ambas as cidades com participantes de diversas nações do candomblé e acadêmicos.

Roberta Nascimento destaca a importância de qualificar pessoas de dentro dos terreiros para assessorar processos de tombamento, o que ajuda a dar maior legitimidade celeridade ao processo. O grupo também oferece oficinas abertas a membros de qualquer comunidade de candomblé interessados em aprender mais sobre o processo de tombamento.

logo do projeto

Marca do projeto “Perguntando a Onilê”

“O lugar se revela”

Uma das principais problematizações propostas pelo projeto é quanto à forma como são realizados os trabalhos para o tombamento. De acordo com Denis Matos, arquiteto e membro do grupo, a lógica ocidental de documentação e de manutenção arquitetônica são incompatíveis com a cosmovisão do candomblé, em que a natureza é viva e os orixás estão ao alcance das pessoas. “O valor da arquitetura está naquilo que ela abriga”, observa.

Cada integrante do projeto tem seu próprio caderno de campo, em que são documentadas as informações para o dossiê de tombamento, em colaboração com a própria comunidade. Assim, o aspecto técnico não suprime o religioso, e dá lugar para o espaço, em si, enquanto parte da identidade e do pertencimento cultural de um grupo. “O lugar se revela, é outro tipo de metodologia, em que nem tudo é racionalizado”.

As atividades do grupo começaram em agosto de 2018, mas ele foi concebido no semestre anterior, durante a atividade curricular em comunidade e sociedade (ACCS) “Memórias do povo negro”, ministrada pelo professor André Nascimento, da Escola de Administração e também integrante projeto, com suas atividades centradas no Ceao. Durante o semestre – que Roberta Nascimento cursou – os estudantes foram convidados a visitar terreiros, dentre eles o Tumba Junsara, em Salvador, para ouvir suas histórias. Dali surgiu o projeto piloto do grupo: naquela atividade, o laudo necessário para o tombamento da casa de candomblé foi feito em cooperação com a comunidade. O sucesso da empreitada despertou no grupo o desejo de estender o trabalho a outras comunidades.

Segundo Roberta, além de empoderar o povo de santo, o projeto visa também dar mais visibilidade ao Centro de Estudos Afro-Orientais. Para isso, o grupo pretende realizar seminários de leitura associados à ACCS e ter o centro como principal local de reuniões e eventos relacionados ao projeto. “Acredito que esse é o papel de todos os projetos que saíram à partir do edital do ProCeao” disse a coordenadora do projeto.

foto da capa: Terreiro Ici Mimó, em Cachoeira (IPAC)