O ano de 2012 ficará marcado com aquele de maior avanço na conquista dos direitos da população negra. Em abril, numa sessão histórica, o Supremo Tribunal Federal – a mais alta Corte do país – decidiu, por unanimidade, que as ações afirmativas e as cotas são constitucionais.
Ao fazê-lo, o STF reconheceu também que, no Brasil, nascer negro é sinônimo de desvantagem, em virtude dos quase 400 anos de escravidão e da ausência de políticas públicas por parte do Estado no sentido de atender as demandas relacionadas à saúde, a Educação, ao trabalho, enfim, aos direitos básicos da cidadania.
No mês passado, o Senado aprovou e a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei que cria cotas sociorraciais no acesso às instituições federais de ensino superior.
A Lei 12.711/2012, sancionada na última quarta-feira pela Presidente, determina que as Universidades públicas federais doravante terão de reservar 50% das vagas para estudantes oriundos das escolas públicas, sendo que, deste percentual, 25% devem ser reservadas a alunos de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo (o critério social) e os outros 25% devem ser ocupados por estudantes negros e indígenas (o critério racial), de acordo com a presença desses segmentos em cada Estado da federação, segundo o Censo do IBGE 2010.
Tanto a decisão do Supremo quanto a nova Lei representam vitórias históricas do povo brasileiro porque, após séculos, o Estado reconhece demandas da população negra que até então vinha ignorando.
Entretanto, tanto num caso quanto noutro, a impressão que se tem é que os principais beneficiários de tais conquistas não estão nem um pouco interessados: há um silêncio ensurdecedor por parte do Movimento Negro brasileiro.
Nenhuma manifestação. As autoproclamadas lideranças adotaram o mutismo como regra, não se sabe porque, talvez por estarem muito ocupadas com a agenda dos seus respectivos partidos em ano de eleições municipais.
Os negros da Academia também nada tem a dizer a respeito, ao que parece, uma vez que negrólogos (e agora temos também negrólogos negros, em profusão) tem mais interesse em estudar negros como vítimas dos processos históricos, nunca como protagonistas da história. Ou talvez, porque nada tenham a dizer mesmo, mais interessados nos seus currículos e carreiras acadêmicas.
Não fosse a manifestação do antropólogo José Jorge de Carvalho, responsável pelo Programa de Cotas para negros e indígenas na Universidade de Brasília (UnB), que publicamente fez críticas e ressalvas a nova Lei das cotas aprovada pelo Senado e sancionada pela Presidente, e não teria se ouvido uma única declaração a respeito.
No caso de José Jorge – um antropólogo branco, cujo compromisso com as cotas e as ações afirmativas é indiscutível – o que chama a atenção é que as ressalvas que faz à Lei seriam mais próprias a certas lideranças negras próximas à correntes racialistas, para quem a luta pelas cotas é uma questão de princípio, “é política”.
Não importa que, na prática, os 25% que ocuparão as vagas pela cota social sejam, na sua maioria, negros, uma vez que, como se sabe, os negros são a maioria dentre os pobres.
Na prática, embora na maioria dos Estados brasileiros, os 25% de negros e indígenas fique muito aquém da representação desses segmentos nos Estados (apenas três Estados, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tem percentual equivalente), como a maioria dos 25% de pobres que entrarão pelo critério social são negros, haverá uma compensação e, portanto, a Lei é boa porque garante a inclusão e o enfrentamento da desvantagem histórica que negros e indígenas acumulam há séculos.
Racialistas, contudo, consideram que o critério de inclusão que não leve em conta unicamente e exclusivamente a condição racial, representa retrocesso. Sem explicar que projeto de país defendem, quais as perspectivas que apontam para a superação da desigualdade que é a marca registrada do país. Desde sempre.
A superação do racismo no país, para nós da Afropress, não é tarefa apenas para os negros, mas para o povo brasileiro e a luta por inclusão dos negros, indígenas e das massas pobres historicamente deixadas à margem, é condição para a transformação do Brasil de República de poucos (as), para a República de todos (as).
São Paulo, 01/09/2012
Dojival Vieira
Jornalista Responsável
Registro MtB: 12.884 – Proc. DRT 37.685/81
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