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terça-feira, 29 de julho de 2014

Projeto Entre realiza penúltima ação em Plataforma

Fernando Amorim | Ag. A TARDE | 26.07.2014

  • O artista visual Ayrson Heráclito e o fotógrafo Edgar Oliva promoveram o encontro artístico

Na orla do subúrbio ferroviário de Salvador, em frente à estação de Plataforma, as marisqueiras da comunidade aproveitavam a maré baixa por volta das 9h30 para garantir seus pescados. Juntaram-se a elas, no último sábado, o artista visual Ayrson Heráclito e o fotógrafo Edgar Oliva para realizar a penúltima intervenção  do projeto Entre, que une moda e artes visuais em diferentes pontos da cidade.

Idealizado pelo designer de moda Alexandre Guimarães, o projeto é inspirado no conceito do wearable art, que pensa a vestimenta como expressão da individualidade de quem usa.

Cada ação - também chamada de capítulos - parte da elaboração de uma "peça vestível", como prefere definir o designer, que se relaciona com o universo de trabalho do artista participante, a fim de provocá-lo. Ao contrário de um figurino comum, neste caso a "peça vestível" é o que orienta a ação.

Neste penúltimo capítulo (são oito, no total), Alexandre criou um terno branco para Ayrson, que remete à ligação do artista com o candomblé. Para manter a linha das criações anteriores, todas escuras, o designer manchou o terno de preto com guache.

Vestido nessa indumentária, Ayrson produziu quatro cabeças humanas em argila, inspirado em um mito da cultura iorubana sobre a criação do homem, enquanto a interpretação desse processo ficava por conta das imagens de EdgarOliva.

"É a minha percepção artística explorando o máximo que eu puder da roupa, que é nossa segunda pele, e dos gestos e simbolismos que ele emana durante o processo", explica o fotógrafo. Dele também partiu a escolha do lugar, onde esteve pela primeira vez com seus alunos da Escola de Belas Artes da Ufba (EBA) e de onde já guarda registros fotográficos.

Os 16 artistas selecionados foram agrupados em duplas pela curadoria de acordo com o estilo de cada um. Eles são apresentados à vestimenta e pensam juntos a ação.

O resultado final é levar os registros e interpretações do encontro para o site e redes sociais do projeto, que ainda pretende contar com mais edições.

Mito iorubano

Para compreender  a intervenção, é preciso conhecer o mito da crença iorubana que Ayrson trouxe para o grupo. O artista explica: "Esse mito diz que Orunmilá, que era o deus supremo, pediu a Oxalá que criasse o homem. Oxalá, um grande escultor, escolheu diversos materiais. Experimentou o ar, mas não funcionou: o homem ficou muito etéreo. Experimentou a pedra, ficou muito rigído. Experimentou até o azeite de dendê e nada. Então ele foi ao encontro de Nanã, que é a senhora dos manguezais, da lama, e ela emprestou sua matéria para que ele criasse o homem. Daí ele usou a lama (a argila). Deu certo".

Como contrapartida, a rainha Nanã fez um pacto com Oxalá para que toda vez que o homem morresse, ela tivesse o material de volta, devolvido à natureza. Nesse link com o rito de passagem, Ayrson e Edgar dedicaram o momento ao amigo videoartista malinês Bakary Diallo, uma das vítimas do avião da Air Algerie que caiu na última quinta. Ele viria para Bahia fazer uma residência artística.
A data escolhida para a ação, 26, não por coincidência é o dia de Nanã. Como finalização desse ritual, as cabeças de argila ficaram na praia esperando a maré subir e levar essa matéria de volta à natureza.