Brasília, 19 de dezembro 2011
Ao Exmo. Corregedor Nacional do Ministério Público
Dr. Jeferson Luiz Pereira Coelho
Excelentíssimo Corregedor,
Com cumprimentos respeitosos, os abaixo assinantes, representantes da
Igreja, antropólogos, juristas, acadêmicos,povos indigenas e
comunidades tradicionais e defensores dos Direitos Humanos, vimos, por
meio desta, expor ao Conselho Nacional do Ministério Público nossa
preocupação e nossos votos de que sejam asseguradas ao Ministério
Público Federal e seus procuradores, incondicionalmente, as garantias
para o pleno desempenho de suas funções constitucionais, diante do
aqui exposto:
No dia 7 de dezembro de 2011, a Advocacia Geral da União (AGU)
protocolou uma Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), solicitando o afastamento e a substituição
do procurador da República Felício Pontes Jr. nos processos que
envolvem a construção de Usinas Hidrelétricas (UHEs). Como base para
tal reclamação, utiliza-se de matéria e imagens publicadas no site do
jornal Folha de São Paulo.
Os factóides usados na construção dos argumentos da AGU, por inócuos e
inconsistentes, não merecem consideração. Em fragmentos de imagens do
procurador no desempenho de sua função (Art. 129, parágrafo V da
Constituição Federal: é função do Ministério Público defender
judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas),
apresentam-se trechos descontextualizados de respostas suas a
questionamentos da comunidade Xikrin, da Terra Indígena Trincheira
Bacajá, sobre seus direitos relativos aos procedimentos de indenização
por danos causados por Belo Monte. Toscamente editado sem permissão da
produtora – constituindo-se, assim, em crime contra os direitos
autorais -, o vídeo não representa prova de nada que possa incriminar
Pontes Jr.
A insistência da AGU em buscar subterfúgios para tolher, intimidar e
criminalizar o Ministério Público Federal não é nova. A tática está
sendo adotada pela quinta vez nos últimos dois anos. No presente
caso, o fato reveste-se de imensa gravidade, por configurar atentado
gritante ao Estado Democrático de Direito, ao atacar frontalmente a
Constituição do país.
É inadmissível que o presente governo, que repetidamente tem
infringido e mutilado as leis ambientais e de proteção social no
processo de imposição de seus projetos neo-coloniais na Amazônia, ao
mesmo tempo em que se esquiva de qualquer debate acerca dos
questionamentos do Ministério Público Federal, utilize-se da AGU como
uma verdadeira milícia jurídica particular para neutralizar a defesa
dos direitos humanos das populações mais fragilizadas da região. Esta
prática tem se evidenciado também na intervenção sistemática da AGU
nos processos de julgamentos das Ações Civis Públicas do MPF,
intromissão que ofende a independência do Judiciário e, desta forma, a
própria democracia do país.
É preocupante que, depois de tantas lutas, tantas vidas perdidas, e da
árdua – e, como se percebe, ainda frágil – conquista do êxito no virar
as páginas da tenebrosa ditadura que manchou a recente história do
Brasil, o autoritarismo retorne à vida nacional. É consternador, por
fim, que ele o faça dessa forma brutal, com a perseguição obstinada
de uma das poucas instituições que ainda zelam pelos que quase nada
têm. Semelhante perseguição aos procuradores da república, e por via
deles, a todos aqueles que compreendem a vida dos povos da floresta,
solidarizando-se com sua cultura e sua espiritualidade por
reconhecê-las como algo infinitamente precioso, poderá causar danos
irreversíveis ao nosso país. Será este o legado do atual governo: um
país árido, duro e embrutecido, povoado por gente escorraçada,
amedrontada e apática? Não foi este Brasil que construímos. Não é este
o Brasil que queremos. E enquanto pudermos lutar, não será este o
Brasil que teremos..
Fonte: Telma Monteiro