No Brasil, devido a convivência de várias culturas na sociedade, a existência de grande variedade de religiões e convicções religiosas se torna uma realidade. No entanto, o fato da existência desta realidade não garante uma convivência inter-religiosa harmônica e respeitosa, e esta afirmação se configura na constatação do cotidiano social.
Neste país também se constata, que no embate pela hegemonia, vence a visão de mundo ocidental, e consequentemente, a imposição da cultura européia torna-se também uma realidade, imprimindo, em detrimento das demais, a visão eurocentrista compulsoriamente. Somando-se a tudo isto, vem ainda a nossa fragilidade no que se refere à solidificação das instituições democráticas, cumprimento da legislação, impunidade, imparcialidade, e o desrespeito aos princípios éticos e morais, fazendo-nos deparar com fenômenos sociais que vão impactar no processo de consolidação da relação humana de forma negativa, causando profundas distorções conceituais na construção de uma convivência harmoniosa e respeitosa entre as diversas culturas existentes.
É em função de tudo isso, que observamos com grande preocupação, a incidência cada vez maior de acontecimentos que vêem demarcar o espaço presente da intolerância religiosa no nosso dia-a-dia.
Esta situação degradante realmente nos traz preocupações, entretanto não traz estranheza, pois algo nesta direção já tinha sido previsto, em termos de comunidade internacional, quando no processo de disseminação da globalização, surge o embate econômico entre os EUA de um lado, afim de liberar o mercado de comercio europeu para seus produtos áudio visuais, e do outro a França com o apoio do Canadá, resistindo à idéia e impondo ao mesmo tempo o conceito de "exceção cultural" no texto do GATS, na época em negociação na Rodada Uruguai(1994). Esta discussão seguindo seu percurso histórico, se configurou no início do século XXI (em 2001)no conceito de "proteção da Diversidade Cultural". Foi aí, que se revelou a necessidade de criação de um instrumento internacional que reconhecesse o papel de políticas culturais nacionais na garantia da preservação e da promoção da diversidade cultural, aprovando-se na UNESCO, a Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural. Em 20 de outubro de 2005, com 148 votos a favor, e dois contra (do EUA e Israel) e quatro abstenções(da Austrália, Honduras, Nicarágua e Libéria), é adotada um instrumento jurídico de valor internacional, traduzido pela convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais, cuja foi ratificada em 18 de outubro de 2007 por mais de 50 países, incluindo o Brasil.
Por outro lado, a discussão da laicidade do Estado brasileiro, vem garantir na carta magna de 1988, no Título lll, Da Organização do Estado, capítulo l, Da organização Político-Administrativa, art. 19, texto que diz o seguinte:
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Continuando na mesma linha de raciocínio, a mesma constituição de 1988 em seu Título II- Dos Direitos e Garantias Fundamentais, e Capítulo I- Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, reza o seguinte:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Desta maneira fica explícito, do ponto de vista político e legal, a posição da nação brasileira no que se refere ao respeito à diversidade cultural, pois no contexto de humanidade, a mais profunda manifestação cultural que é a religião, está em termos de culto, assegurada em sua plenitude.
Portanto, buscando a valorização de tão nobre posição humanitária deste país, e ao mesmo tempo o cumprimento da suprema legislação brasileira, é que estamos propondo à toda sociedade brasileira um especial momento de reflexão, visando corrigir distorções sociais que levam tanto o Estado como a sociedade brasileira a cometer crimes, como invasão de policiais a templos religiosos de matriz africana, sem se quer ter em mãos um mandato judicial, configurando desta forma um flagrante e inconfundível ato de violação dos direitos humanos.
Wilson Keyroga
Ogan suspenso do Ilê Wopô Olojukan
Cantor e compositor
Professor de história
Secretário de Cultura PTMG